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FLORES PARA ALGERNON

 


    Após três semanas lendo histórias de muito amor, muito romance, muito mel... Eu sentia que necessitava de uma leitura que pudesse trazer - me de volta ao chão. Afinal, a vida não é um conto de fadas... Não é mesmo? Portanto, o livro escolhido para essa grande missão foi "Flores para Algernon". Confesso que, na primeira vez em que li esse título, eu pensei que se tratava de um romance homoafetivo... (tudo bem... podem rir da minha ignorância... 😒), pois eu jamais havia ouvido falar em Daniel Keyes antes de começar a assistir alguns vídeos no Youtube. Qual foi o tamanho da minha surpresa, quando descobri que esse belo livro aborda ficção científica! Se eu já estava interessada antes, imagina depois de tudo o que descobri sobre ele! Pois é... Agora eu estou aqui, ansiosíssima, para contar para vocês! 😄
       
    Sem mais delongas, "Flores para Algernon" é aquele tipo de livro que foi feito para ser lido devagar, não por causa do nível linguístico, mas sim, devido ao assunto abordado. Acima eu comentei que esse livro é classificado como ficção científica, todavia isso é apenas um pano de fundo, uma vez que a história em si, trata de um assunto muito maior que é a empatia ou falta de, quando relacionada a pessoas especiais. 
      Em "Flores para Algernon" - publicado pela primeira vez em 1966 em forma de romance -  temos como protagonista Charlie Gordon, um homem de 32 anos, mas com um Q.I muito atrasado. Charlie é, como o chamaríamos a 17 - 20 anos atrás, um retardado. Devido a suas limitações, seu tio Herman, antes de morrer, pediu ao seu amigo Donner, que prometesse que cuidaria de Charlie, dando-lhe um emprego, comida e teto para morar. Donner cumpriu sua promessa. Por dezessete anos, Charlie trabalhou na padaria de Donner como faxineiro e, às vezes, entregador. 
    Além de trabalhar na padaria, Charlie também frequentava uma escola para pessoas como ele. Ele era muito esforçado. E desejava de todo coração aprender a ler, escrever. Queria ser esperto e inteligente assim como seus "amigos" da padaria. 
    Por causa dessa sua força de vontade, Charlie foi escolhido para participar de uma pesquisa científica que já havia dado certo em ratos de laboratório, mas ainda não testada em seres humanos. Tratava-se de uma cirurgia inovadora que alegava aumentar o Q.I do paciente, conforme estudos que os cientistas estavam fazendo. 
    Na verdade, durante todo o livro, a narrativa é feita pelo próprio Charlie, logo a linguagem do livro possui bastante fluidez, por apresentar um narrador - personagem. Logo no início das primeiras páginas, o leitor tem contato, pelos relatórios que Charlie escreve, com o baixo índice intelectual do protagonista, já que sua escrita apresenta inúmeros erros de ortografia, pontuação, concordâncias... Além disso, nota - se um homem inocente, ingênuo, incapaz de fazer ou desejar algum mal a qualquer pessoa. Por vezes até infantil, com sua necessidade constante de agradar aos outros. 
     Após a cirurgia em que ele é submetido, o leitor começa a perceber ainda pelos relatos do personagem uma determinada evolução em Charlie. Tudo é muito sutil. Tão sutil que o próprio Charlie não se dá conta da mudança, no início. Mas, nós leitores, já conseguimos... Começando pela evolução linguística, depois pelos lapsos de memórias em que ele passa a ter... Até ele ultrapassar totalmente o intelecto dos próprios médicos que fizeram essa "transformação" nele.  E, é a partir daí que o bicho começa a pegar... 
    É impossível ler os relatos de Charlie e não sentir aquele aperto no coração, aquela ânsia no estômago, quando a inteligência adquirida faz com que Charlie comece a se dar conta de que ele nunca teve amigos de fato. Quando ele se dá conta de todas às vezes em que seus "amigos" estavam rindo em sua companhia, não era COM ele, mas DELE... Fazendo-o de "bobo da corte". A sensação era que ele esteve cego durante todo esse tempo. A realidade era cruel. 
    Com a inteligência, Charlie passa a viver uma crise existencial, pois tudo que ele acreditava ser e ver, não era mais real, facilitando a constante desconfiança nos seres humanos. Charlie, estava inteligente, contudo, não conseguia mais se relacionar com as pessoas, o lado emocional dele não evoluiu junto ao seu conhecimento. Com isso, tornou-se arrogante, anti - social. Suas memórias da infância voltaram com muita rapidez e a gente pode ver o quanto Charlie foi negligenciado durante a sua infância e, o quanto a relação entre mãe e filho pode afetar o desenvolvimento de uma criança. Bem como a presença de uma criança especial pode desestruturar toda uma família, quando esta não está preparada para enfrentar certos desafios. Charlie descobriu que sua necessidade/ desejo de ficar inteligente e esperto, vinha de sua mãe que, no passado, fizera de tudo para que o garoto fosse como os outros e, quando percebeu que isso não seria possível, tirou de casa, mandando - o para uma clínica. 
    Para mim, a relação familiar de Charlie, conforme ele foi se lembrando, foi o ponto mais forte de toda a história. Pois, no presente, ele era um adulto "possivelmente" curado. Gênio. Mas ainda cheio de medos, inseguranças, traumas. Tudo ocasionado pela sua infância e os métodos "educativos" da mãe. "O que acontece na infância, não fica na infância", uma vez ouvi ou li em algum lugar. 
    Não é de se admirar que esse livro se tornou leitura obrigatória nas escolas dos Estados Unidos. Ele retrata muito bem a desigualdade em que pessoas como Charlie são expostas dia a dia. Os maus tratos. A indiferença. Por meio do olhar de Charlie, a gente passa a viver e sentir tudo o que ele via e sentia. É inacreditável como o ser humano pode ser tão baixo e cruel com sua própria espécie. "Eu já era um ser humano, antes da cirurgia. Eu continuo sendo um ser humano. Eu não me transformei em rato de laboratório", Charlie dizia muitas vezes para seus médicos que o acompanharam durante todo o processo. 
    Enquanto Charlie vivia "às escuras" a vida para ele era mais fácil, mesmo sendo subestimado, ele tinha amigos. Depois que sua situação mudou, todos ficaram com medo dele... Uma parte da história que mostra como nós seres humanos temos a necessidade de nos sentirmos superiores... Não gostamos de estar abaixo. Muitos precisam, então, debochar, ridicularizar alguém, para ter essa sensação de superioridade... O famoso preconceito. Tão arraigado ainda, infelizmente, em algumas pessoas. 
    Posso declarar com todo o meu coração que já não sou mais a mesma pessoa que fui antes dessa leitura. Esse livro, sem dúvida, mexeu comigo. Me fez pensar. Me fez refletir... Me fez lembrar de muitos alunos especiais que já passaram em minha vida... E que já me ensinaram tanto. Me fez refletir, também, sobre a minha postura como mãe... E na importância de ser um exemplo de adulto equilibrado emocionalmente perante as minhas filhas. 
    Daniel Keyes, infelizmente, faleceu em 2014, mas, ainda assim eu necessito dar os meus parabéns para esse grande autor que conseguiu transformar um assunto tão polêmico, tão pesado, em um enredo suave, delicado... Gostoso de ser lido. Um verdadeiro clássico. O livro é curtinho, contém 284 páginas, mas é possível lê-lo em poucas horas, ou dias. Uma leitura que vale a pena. Necessária para todo mundo. 
    Para os que gostam de assistir adaptações literárias, esse livro inspirou o filme "Os dois mundos de Charly", cujo ator principal, Cliff Robertson, recebeu o troféu Oscar de melhor atuação. 


    Charlie teve oito meses para viver uma segunda chance. Para se tornar quem ou o que ele queria e contribuir para a ciência. Durante todo o processo, ele leu e estudou tudo o que pode. Não desperdiçou um só minuto. Compreendia que tudo aquilo era importante para a sua existência, antes que a "escuridão" o levasse de volta para o início de tudo. 

    E você? Gostaria de ter, assim como Charlie, uma segunda chance?  




    

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